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Notificações extrajudiciais para evitar danos à marca.


Foto por © Seven Stills Brewery

Certa vez ao finalizar uma audiência da qual atuei como advogado do Réu, o juiz, que conduziu a audiência muito bem, falou para o assessor que digitava a ata:

E em seguida o juiz proferiu Despacho:

- Saravá.


Todos começaram a rir na hora!

O juiz continuou: tava todo mundo tão sério né?


Um caso recente nos Estados Unidos envolvendo propriedade intelectual me fez lembrar desse episódio inusitado, reforçando que é possível conciliar profissionalismo no meio jurídico com senso de humor.


Trata-se da notificação extrajudicial da grande rede de fast-food “IN-N-OUT” à cerveja “IN-N-STOUT” cujo lançamento foi divulgado no Instagram.


Veja a foto da lata da cerveja:


Compare com a marca e com o copo de refrigerante da IN-N-OUT:



Cópia descarada, portanto.


A IN-N-OUT, recebendo uma enxurrada de denúncias de seus clientes sobre a cópia de sua marca, notificou a 7 Stills Brewery - cervejaria que divulgou a IN-N-STOUT -, mas ao invés de enviar uma notificação com ameaças e tom de litigância, enviou um texto bastante leve e cheio de trocadilhos (puns) que ganhou a graça dos seguidores da marca no Instagram, fazendo do limão uma verdadeira limonada.

O texto da notificação evidentemente está em inglês, e cheio de nuances cômicas, mas vou fazer o máximo pra reproduzir o conteúdo de maneira mais fidedigna, tentando manter a graça.


A carta original foi postada no Instagram pela notificada, veja o link direto:

https://www.instagram.com/p/Bmb80oZnKfQ/?utm_source=ig_web_copy_link

Eis o texto traduzido livremente:


Cara Seven Stills Brewery & Distillery:


Nós da IN-N-OUT burguers (IN-N-OUT) recebemos várias denúncias da sua cerveja “IN-N-STOUT” publicada nas suas páginas de redes sociais. A cerveja IN-N-STOUT traz a marca IN-N-OUT incluindo nossos logos de palmeira e flecha, assim como uma similaridade substancial no uso do nome da nossa marca IN-N-OUT. Baseado no seu uso das nossas marcas, nós nos sentimos obrigados a pular (pular em inglês pode ser traduzido como “hop”, que também é o termo para lúpulo) em ação para prevenir a fermentação de problemas futuros.


Caso vocês ainda não estejam cientes, a IN-N-OUT possui vários registros dessas marcas. Como vocês podem imaginar, nós nos esforçamos muito para proteger nossas marcas, o que inclui limitar o seu uso por outros.


Por favor, compreendam que o uso de nossas marcas por terceiros pode causar confusão no público consumidor ou causar que sejamos impedidos de proteger nossas marcas no futuro. Nós esperamos que vocês apreciem, no entanto, que nós estamos tentando distilar claramente nossos direitos ao construir uma comunicação amigável com vocês, ao invés de nos embarrilarmos através dessa situação.


Consequentemente, pedimos que vocês cessem o uso das marcas IN-N-OUT no futuro, deixando de vender ou promover produtos expondo nossas marcas e removendo as imagens da “IN-N-STOUT” e quaisquer outros itens expondo nossas marcas do seu website e mídias sociais. Por favor, nos contactem tão logo quando possível, para que isso não continue a fermentar. Agradecemos seu tempo e consideração e esperamos resolver tudo isso em bom humor (eles usam a expressão “good spirits” que quer dizer bom humor, mas pode significar licor também).


É possível verificar que o texto é cheio de trocadilhos envolvendo fermentação de cerveja e destilação de bebidas, excelente!


O melhor é que a notificação surtiu efeito, sendo divulgada pela própria notificada no Instagram, que se dispôs a não divulgar mais a marca.


Tanto do exemplo do juiz como o da In-N-Out, podemos concluir duas coisas:


A primeira é que, apesar do dever de obediência às normas de deontologia jurídica (onde estão inseridos o respeito mútuo entre os juízes, advogados e promotores, uso de linguagem escorreita e postura séria), não precisamos ser carrancudos.


Não é porque o advogado deve tratar do problema do seu cliente com seriedade que deve abdicar completamente do bom humor!


A outra é um aspecto mais técnico: notificações extrajudiciais não precisam ser um tratado. Vejam que em poucos parágrafos foi possível passar a mensagem, explicar o problema, fundamentar e advertir que ação judicial seria tomada acaso a notificação fosse ignorada.


E não se enganem, apesar de curta, na minha opinião, a notificação estava muito bem fundamentada.


Aqui no Brasil temos a lei 9.279/96, referenciada em praticamente todos os outros artigos que já escrevi 1.


Nessa lei está previsto o crime de concorrência desleal (art. 195), que pode decorrer de atitudes que causem confusão no mercado, como fundamentado na notificação:


Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:

(...)

IV - usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos;


Ressalvado também o direito do prejudicado em buscar reparação, por atos de terceiros que tenham lhe causado danos:


Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.


Nossa legislação, portanto, protege os detentores das marcas de atos de terceiros que possam causar confusão com seu produto.


O advogado da IN-N-OUT fala também que eles podem ser impedidos de tomar iniciativas quanto a terceiros se não se opuserem ao uso de suas marcas por qualquer um.


O sistema jurídico americano é diferente do nosso, lá eles adotam o sistema declarativo onde não é necessário registrar a marca para ter direito de exclusividade sob ela. Nós, por outro lado, adotamos o sistema atributivo, onde é obrigatório registrar a marca para ter exclusividade sob o termo.


Isso é importante por causa do outro argumento utilizado: que eles não poderão se opor ao uso de suas marcas por terceiros no futuro acaso permitam esse tipo de prática.


Cabe esclarecer que o direito subjetivo do prejudicado não se esvai quanto à possibilidade de pleitear em juízo contra terceiros usurpadores da marca, ainda que deixe de se opor ao uso por um terceiro no nosso sistema.


Entretanto, existe um fenômeno chamado “degenerescência”, que acontece quando uma marca adquire um status vulgar pelo uso indiscriminado por terceiros e pela concorrência, como aconteceu com a marca Xerox®.


Hoje, a palavra “Xérox” já foi incluída no vocabulário da língua portuguesa e é sinônimo de fotocópia, apesar dos esforços de a detentora da marca Xerox®, que inclusive processou o Dicionário Aurélio contra a inclusão do termo como vocábulo do idioma português, dizendo que se tratava de marca registrada, segundo BARBOSA (2011) 2.


Entretanto, a palavra já havia caído em domínio público e hoje é até verbo, demonstrando que permitir o uso da marca por terceiros pode acabar com o caráter distintivo da marca, ferindo-a de morte.


Assim, notificar é preciso. O ramo de Propriedade Industrial - não por acaso - é muito afeto às notificações extrajudiciais. Esse caso é um lembrete da efetividade deste tipo de atitude, que evita processos judiciais e pode trazer resoluções muito rápidas, sem deixar de lado o bom humor.


1https://www.caiomachado.adv.br/blog

2http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/significacao_secundaria.pdf

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